Editorial de O Globo (24/5/2022)
Na ânsia de faturar politicamente com a visita-relâmpago de Elon Musk ao Brasil, Jair Bolsonaro deu mais uma prova de sua capacidade singular para desinformar. Afirmou que o serviço de internet por satélite oferecido pela empresa de Musk ajudará a preservar a Amazônia. O ministro das Comunicações, Fábio Faria, foi mais fundo na desinformação: “O satélite pode nos informar que estava ali uma serra elétrica, e o governo vai conferir se é um lugar onde está tendo desmatamento legal ou ilegal”.
As declarações partem de três premissas falsas. Primeira: os satélites da Starlink, de Musk, não foram concebidos para sensoriamento remoto ou imagens, como Faria deu a entender. São satélites de comunicação. Segunda: não faltam informações sobre onde e quando acontecem os desmatamentos. O Brasil é pioneiro no monitoramento de florestas por satélites desde a década de 1970. Há anos conta com os sistemas mais avançados do mundo, ambos do Inpe: o Deter, com cobertura de áreas acima de 25 hectares, e o Prodes, para áreas superiores a 6,2 hectares. Instituições independentes emitem dados complementares.
A terceira premissa falsa, a mais grave, é supor que exista interesse do atual governo em fiscalizar e punir. Das áreas desmatadas identificadas entre 2019 e 2021, apenas 5% foram alvo de embargo ou autuação do Ibama, segundo o relatório da parceria entre Instituto Democracia e Sustentabilidade e MapBiomas. É notório o esvaziamento dos órgãos de monitoramento e fiscalização pelo atual governo. Desde a posse de Bolsonaro, a área desmatada cresceu 75%, de acordo com os dados disponíveis. É um descalabro.
Preocupado em tirar selfies e difundir propaganda nas redes sociais, Bolsonaro se esqueceu de dar mais ênfase ao que teria sido a parte da visita de Musk com mais chance de ajudar o país: a tentativa de oferecer internet rápida e barata na Amazônia e em áreas remotas, onde a melhor solução é a tecnologia via satélite. Por usar satélites de baixa órbita, a Starlink de Musk poderá, uma vez concluída sua implantação, oferecer conexão mais confiável e com menor tempo de resposta. Há, porém, serviços concorrentes em desenvolvimento, como o Project Kuiper, do também bilionário Jeff Bezos, ou o OneWeb. Nenhum deles é exclusivo para o Brasil ou para a Amazônia.
Espalhados pela região amazônica, pelos menos 700 mil vivem em reservas extrativistas, terras indígenas e comunidades quilombolas que poderiam ser beneficiadas com a instalação de internet rápida não só em escolas, mas também em postos de saúde. “É imenso o potencial ganho que essa população poderia ter com a medicina à distância”, afirma Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas.
A questão não é se satélites de baixa órbita podem ser parte da
solução para o isolamento e a pobreza na Amazônia. A dúvida é se a empresa de
Musk seria a melhor opção. Não se sabe nada sobre o serviço que oferecerá, nem
especificação nem custo. Ele hoje tem a mesma densidade do vácuo sideral. Houve
tietagem de mais, trabalho de menos.
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