Ex-ministro dos governos
Lula e Dilma Rousseff, Aldo Rebelo, licenciado do PDT, assumiu, em fevereiro, a
Secretaria de Relações Internacionais de São Paulo, ocupando o lugar deixado
pela ex-prefeita Marta Suplicy (PT) na gestão Ricardo Nunes (MDB). Afastado dos
antigos aliados, ele elogia os acenos de Lula aos militares, mas vê mais erros
que acertos no terceiro mandato do petista. Em entrevista ao GLOBO de seu
gabinete, Rebelo vê posição agressiva do governo em relação ao agronegócio,
critica a polarização com Bolsonaro e define as investigações contra o
ex-presidente como “perseguição”.
O governo Lula tem mais
acertos ou mais erros?
Muito mais erros. Eu não
reconheço, no presidente Lula, a preocupação hoje com as forças heterogêneas.
Parece que é um permanente conflito com o principal adversário dele, que é o
ex-presidente Jair Bolsonaro. Vejo também uma posição agressiva do governo dele
em relação ao setor do agronegócio. E Lula faz menos reuniões políticas do que
a presidente Dilma, que já não gostava de fazer reuniões políticas. Ele tem
pouca paciência para a política. Ninguém pode dizer nada a ele, que ele fica
irritado. A dificuldade na política surge exatamente pelo distanciamento da
agenda política.
O que o senhor achou da
decisão de suspender as cerimônias em memória ao golpe de 64?
Absolutamente correta. O
Brasil precisa usar o passado para unir o país, e não dividir.
Lula tem acertado a mão na
relação com os militares?
Ele acertou na escolha do
ministro da Defesa (José Múcio), que é um homem talhado para a diplomacia
política e para a conciliação. Múcio faz um grande esforço, e o presidente é
submetido a pressões para adotar uma atitude mais conciliatória em relação aos
militares, mas ele também recebe muita pressão pela agenda do revanchismo.
Pressão do PT?
De todo o PT, não. Tem
setores do partido que compreendem que as Forças Armadas não são o problema do
Brasil, são parte da solução. Mas há gente do PT que vive na agenda de 64. E o
Lula procura se equilibrar.
O que está por trás da
queda na popularidade do Lula?
Não é fácil dizer que é a
economia. O desempenho econômico, à luz dos prognósticos, não é tão negativo em
relação ao crescimento, às exportações e ao emprego. O país vive uma espécie de
mal-estar existencial e espiritual. Apesar dos êxitos, dos triunfos
passageiros, o país perdeu a confiança no futuro. Hoje você tem uma ideia de
que o futuro do seu filho vai ser mais difícil do que o seu. Isso gera um
mal-estar que recai sobre o governo e sobre o presidente, independentemente da
sua responsabilidade. E quando ele não consegue propor um caminho que recupere
a esperança, ele deixa de ser a solução para esse mal-estar. Lula perdeu a
capacidade de gerar isso.
Por quê?
O Brasil reduziu tudo à
disputa imediata pelo poder. O importante é a próxima eleição. O país não está
preocupado com a agenda do futuro, que gere esperança e otimismo. (...) O
presidente Lula perdeu essa vocação de ser o presidente que cuida do futuro.
Ele privilegiou essa luta pelo poder. Eu acho que ele saiu muito magoado (por
causa da Lava-Jato), a indignação dele é justa e correta, mas isso é
insuficiente para você governar.
Como o sr. vê a política
externa do governo Lula?
É uma política externa
ornamental. Ela pode ser esteticamente até bonita de se apreciar e de se ver.
Mas ela não tem uma agenda à altura dos desafios do Brasil. A mediação é uma
vocação do Brasil e uma necessidade, inclusive aqui na América do Sul. Nós não
temos que fazer relações com nossos vizinhos a partir de critérios ou de
padrões ideológicos. (...) E com relação ao Oriente Médio nós devemos ser parte
da solução, o problema já está criado por lá.
Há elementos para condenar
Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado?
Faço uma apreciação
política. O manual do golpe de Estado não reproduz, em nenhum caso, um golpe
que foi preparado por minuta, apresentado em reunião ministerial e gravado. Os
golpes de Estado sempre são conspirações com protagonistas diferentes desse
golpe, ou tentativa, que está sendo atribuído ao Bolsonaro. O golpe de Estado,
se examinar o caso brasileiro, exigiu, apoio político e institucional.
Governadores, partidos, igreja... apoio diplomático, financeiro, cultural. O
que você tinha nesse simulacro fracassado de golpe, por favor? As palavras e o
pensamento comportam qualquer flexibilidade. Mas os fatos, não. E você deve
julgar a política, não só a política, pelas consequências e pelos resultados
que ela gera. O que é que terminou? O presidente foi para os Estados Unidos e
para lá ficou.
O senhor enxerga
perseguição ao ex-presidente?
Não tenho dúvida nenhuma.
São os mesmos protagonistas. Trabalharam para excluir o presidente Lula da
política e agora tratam para excluir o Bolsonaro.
Como está sua relação com o
ex-presidente Bolsonaro?
Como sempre esteve, como
diz o mineiro, boa. Nunca tive problema com Bolsonaro. Não temos tido encontros
pessoais, trocamos mensagem pelo WhatsApp e, às vezes, um telefonema.
O senhor o considera um
amigo?
Eu tenho apreço pelo
Bolsonaro. Sempre tive. Convivemos durante décadas na mesma comissão, de forma
amistosa, com as diferenças sobre temas, mas de vez em quando coincidindo.
Inclusive, uma vez, na defesa do presidente Chávez. Eu defendendo porque o
Chávez era de esquerda e ele porque o Chávez era militar (risos).
O senhor conversou com o
prefeito Ricardo Nunes sobre a possibilidade de ser vice dele?
Não.
Aceitaria o convite?
Só faltava essa (risos).
Não sei. Não vou me oferecer para ser vice e não é uma pretensão minha.
Escolher o vice é atribuição dos partidos e do prefeito.
Está bem claro que o nome
do sr. é o preferido do prefeito. Está disposto a deixar a secretaria para ser
o vice?
Não acho correto falar
sobre isso. Uma coalização de forças muito ampla tem muita gente que gostaria
de apresentar uma vice. Não posso atravessar o samba nem quebrá-lo.
Por que não seguiu o seu
partido e apoiou Boulos?
Sofri muito para organizar
a Copa do Mundo, com um movimento que quebrava tudo no meio da rua chamado Não
vai ter Copa. Só essa lembrança já me causa amarguras.
E como que o senhor viu o
PT apoiando o Boulos agora?
Completamente incoerente.
Desci a rampa com a presidente Dilma. Fiz tudo para impedir que ela fosse
injustamente deposta por uma fake news econômica que foi a pedalada. Eu nunca
chamei o PT de corrupto, o Boulos chamou. Aí, escolhe uma vice que é minha
amiga, a Marta, que votou pelo impeachment da Dilma. Ficou quatro anos aqui na
prefeitura, foi do PMDB.
O sr. avalia deixar o PDT?
Não.
Está descartado?
Por que eu vou deixar o
PDT?
Se for convidado para ser o
vice.
O “se” na política é muito
difícil.
E o que o sr. pensa sobre a
Tabata Amaral?
Eu aprecio a trajetória da
Tabata, o esforço pessoal que ela faz pela origem humilde, de descrever uma
trajetória superando muitos obstáculos. Mas não aprecio a agenda que ela
abraçou.
Qual?
A agenda woke, identitária.
Essa agenda da Tabata, não sei se fosse para Estocolmo, para Nova York, mas
para São Paulo tem coisas muito mais importantes para além da agenda identitária.
É uma cidade muito desigual.
Por que decidiu apoiar o
Nunes e ir para a secretaria no lugar da Marta?
Vim mobilizado pela
política, pela ideia de que é preciso derrotar esse esquema que quer ocupar a
prefeitura de São Paulo. Não acho que o adversário do prefeito (Boulos) seja
uma opção razoável para a cidade. Acho que ele não tem noção do que é São Paulo.
Como o sr. vê a aproximação
do prefeito com o Bolsonaro? Considera o prefeito bolsonarista?
O prefeito é do MDB. O partido dele tem três ministros no governo do presidente Lula. O presidente do partido (Baleia Rossi), que coordena a campanha, integra a base do presidente Lula. A aliança com o ex-presidente Bolsonaro é no quadro de uma aliança heterogênea. Vocês lembram quando o presidente Lula colocou o Haddad debaixo do braço e foi pra casa do Paulo Maluf, que disse: quer meu apoio vem aqui tirar um retrato comigo. Política, e a guerra, impõe essa condição: quem não tem aliado está mais perto da derrota. Quanto maior o número de aliados, mais próximo da vitória.
O Globo
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